sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Médicos usam rede social para vender plantões

Coordenação de Emergência Regional (CER), no Leblon, onde médicos venderam plantões pela internet: prática é condenada por entidades e órgãos públicos - Marcelo Carnaval / Agência O Globo.

“Plantão UPA Campo Grande 1 West Shopping. Hj à noite clínica médica. Valor 1.160,00”. A mensagem, divulgada na terça-feira no “Plantões WhatsApp”, grupo com 11.185 membros no Facebook, expressa uma tendência que cresce na classe médica: o uso das redes sociais como espécie de feirão de plantões em hospitais das redes pública e privada, especialmente nos fins de semana e em unidades do Rio e da Baixada Fluminense. Outro recado, em 11 de setembro no mesmo grupo, convoca interessados em cobrir um plantão de 24 horas, no dia seguinte, no Hospital Municipal Pedro II (em Santa Cruz), para ajudar na rotina de visitas a 14 pacientes e, cumprida a tarefa, “atender somente intercorrências”. Valor oferecido: R$ 2 mil.

No feirão de plantões, os interessados não precisam conhecer as rotinas da unidade, a equipe, o ambiente e, principalmente, a situação dos pacientes. A convocação também não está condicionada à especialidade. Nem sequer exige provas de que o candidato é realmente médico. Um dos interessados em cobrir um plantão na UPA de Madureira por 12 horas na emergência clínica, no último dia 3, sábado, disse que só aceitaria se o pagamento fosse à vista. “O tico-tico sai comigo após o plantão”, escreveu. No grupo, empresas também oferecem aos membros cursos digitais de emergência. Uma delas anuncia: “Agilize seus plantões com Condutas de Emergência — emergências clínicas e cirúrgicas num só app”.

CREMERJ APURARÁ PRÁTICA
‘O grupo tanto pode ser usado de forma válida como de forma negativa. Não há como saber o currículo de cada um’
- VITOR LEVENTHAL, MÉDICO Criador do grupo de WhatsApp admite que perdeu controle sobre membros

Alertado, o presidente do Conselho Regional de Medicina do Rio de Janeiro (Cremerj), Pablo Queimadelos, disse que a venda de plantões em redes sociais é “altamente perigosa”, pois os administradores de grupos como o “Plantões WhatsApp” não têm controle sobre a habilitação médica dos membros. Em nota, o Cremerj informou, nesta quarta-feira, que “tomou conhecimento da existência de páginas e grupos em redes sociais, em que médicos e gestores de unidades de saúde anunciam vagas de empregos, além de vendas e trocas de plantões”. A entidade garantiu que “o assunto será discutido em reunião da diretoria do conselho, e serão apuradas possíveis irregularidades quanto ao regime de contratação de médicos nos hospitais e unidades envolvidos”.

Criado há um ano, inicialmente com 600 integrantes, o “Plantões WhatsApp” se descreve como um grupo médico para eventos, troca ou anúncio de plantões em todo o Rio de Janeiro. “Objetivo? Espelhar a notícia médica, em segundos, por todo o Rio. Sonhos? Acreditamos neles”, diz a página, administrada pelo médico Vitor Leventhal. Procurado pelo GLOBO, ele admitiu que perdeu o controle sobre os membros e não sabe dizer se todos são colegas de profissão:

O grupo começou pequeno, no WhatsApp, só com amigos do hospital onde eu trabalhava, mas cresceu demais. A ideia era fantástica: melhorar a comunicação. Quem tinha interesse em cobrir plantões só precisava informar o telefone. Cheguei a pensar na criação de um aplicativo. Com o crescimento, desisti. O grupo tanto pode ser usado de forma válida como de forma negativa. Não há como saber o currículo de cada um.

No grupo, foram encontrados ainda pedidos de plantonistas para a pediatria da UPA João XXIII, em Santa Cruz, a R$ 1,3 mil por 12 horas; para a UPA de Nilópolis (R$ 1,1 mil); para a Maternidade Mariana Bulhões, em Nova Iguaçu (pediatria, “somente sala de parto”), a R$ 900; e para a Coordenação de Emergência Regional (CER), no Leblon, criada pela prefeitura para desafogar a emergência do Hospital Miguel Couto.

O vereador Paulo Pinheiro (PSOL), integrante da Comissão de Saúde da Câmara, lamentou que o plantonista temporário preste o serviço sem ter passado por qualquer tipo de processo seletivo, muito menos por concurso público, ao contrário dos médicos que geralmente ofertam as vagas. Para ele, é difícil aplicar um critério responsável para um plantão previsto para a noite do mesmo dia da mensagem:


A seleção simplificada beira a irresponsabilidade. Botar num plantão no Pedro II ou no Rocha Faria alguém que não pertence ao hospital, que nunca trabalhou lá, acaba com o espírito de equipe e com a qualidade do atendimento. Profissionais contratados ao acaso representam risco aos pacientes.

SINDICATO: ‘BOLSA DE IMORALIDADE’
No Facebook, aparecem outros grupos supostamente envolvidos no mercadão dos plantões. “Plantões à vista”, “Comunidade médica WhatsApp”, “Empregos médicos WhatsApp” e “Banco de empregos médicos” são alguns deles. O presidente do Sindicato dos Médicos do Rio, Jorge Darze, classificou a bolsa informal de “situação de imoralidade”:

‘Isso é uma bandalha na gestão pública’
- JORGE DARZE, PRESIDENTE DO SINDICATO DOS MÉDICOS
Ao comentar a negociação dos plantões

Isso é uma bandalha na gestão pública. A maioria das unidades está sendo gerida por organizações sociais, que não podem romper com princípios constitucionais que proíbem esse tipo de contratação. Será que esses temporários têm competência para atuar?

A Secretaria estadual de Saúde, em nota, informou que “não compactua com a troca de plantões entre funcionários que não fazem parte” da sua rede, razão pela qual implementou ações de controle. A Secretaria municipal de Saúde, também em nota, garantiu que “segue rigorosamente as leis trabalhistas e não permite a venda de plantões a terceiros com repasse de salário ou outra forma de pagamento financeiro”.
 
* Canindé Silva via O Globo

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